Lembranças da vida de estudante no Crato
Glson.
Estou escrevendo um livro em parceria com a jornalista Elisângela Santos. Gostaria de um testemunho seu sobre a minha pessoa. Sua opinião sobre nossa convivência e, se for o caso, fatos pitorescos e curiosos que você presenciou. Seu depoimento é importante.
Um abraço do amigo de sempre.
Vicelmo. 08/09/2011
Gisleno.
Estou enviando para você algo que escrevi a pedido de Vicelmo e tenho certeza que é do seu interesse por se tratar de parte da nossa história naqueles velhos tempos do Crato.
Brejo Santo 12/09/2011
Gilson.
Amigo Vicelmo
Recebi o seu e-mail e tenho a dizer que falar da nossa época de estudante e da nossa convivência no Crato me traz satisfação não só pela lembrança da sua companhia, mas, sobretudo pela lembrança dos momentos alegres e de descontração naqueles tempos.
A vida corria sem amarras e sem as chatices das responsabilidades profissionais de hoje e éramos três estudantes na busca daquilo que bem ou mau, hoje alcançamos após alisar tantos bancos de escola; Hoje somos três adultos curtidos no tempo, pra lá dos sessenta, cada um na sua profissão, mas ainda em busca daqueles mesmos sonhos de felicidade até hoje tão perseguidos. O tempo infelizmente não parou, mas o Crato ficou agarrado as nossas lembranças felizes.
Quanta saudade!... Naquele tempo, o Crato era mesmo “Cratinho de Açúcar” e a vida fluía bem melhor e mais doce com as histórias do corriqueiro, das noites festivas, do burburinho dos cinemas tão freqüentados na época e das propagandas insistente da “Vale do Cariri”, ou aquela outra de “Tomás Osterne de Alencar” e tantas outras que na lembrança de hoje soam como boa música aos nossos ouvidos.
A Praça da Sé embelezava aquele nosso recanto com suas árvores centenárias!
Bem próxima ficava a pensão de Dona Pitu que tão bem nos acolhia. Lembro-me que atrás da pensão ficava a cadeia pública do Crato e do primeiro andar do velho sobrado da pensão víamos o pátio, olhando por uma janela traseira. Assistimos de camarote muitos lamentos e espetáculos dos presidiários; O doido Cesário gritando vitorioso porque acertou o pinico de mijo na cara dos policiais ou Maria doida que jogava os peitos pela grade da cadeia porque sabia que nós estudantes estávamos olhando de cima.
O Crato fez muito bem a todos nós. Sem saber éramos como os três mosqueteiros à nossa maneira. “Um por todos, todos por um”. Era um ambiente de muita amizade principalmente para você pela sua maneira expansiva de agir e fazer amigos.
Lembro-me que Dona Pitu teve que mudar de endereço e fomos morar na república da Dona “Sinob”, mãe de Alcides Peixoto.
Nesse novo endereço (quarto e banheiro) o dia era repleto do cantor Orlando Silva na bela voz do meu primo Gisleno, hoje conhecido como “o Trovador da Serra”; “Tu és divina e graciosa estátua majestosa...”.
Acho que além das matérias do nosso curso de colégio, decoramos até por insistência de Gisleno, todas as canções do “cantor das multidões”. Parece que foi ontem. A voz do nosso “intérprete de república” ainda ecoa persistente em nossos ouvidos.
E a Praça Siqueira Campos?... As meninas giravam na praça e nós, estudantes sem grana, nos sentíamos tímidos, junto à “fina flor” da sociedade cratense.
Freqüentávamos o Colégio Diocesano com as aulas de Inglês do genial e saudoso Monsenhor Montenegro e as de Física e Química com o “mago” professor Padre Davi. Alderico era também nosso professor e às vezes irritado e impaciente amassava com murros o quadro negro ou uma carteira, só para chamar nossa atenção sobre suas explicações.
Apesar das dificuldades econômicas era muito boa a vida de estudante no Crato, desfrutando a juventude e a liberdade daquela época inesquecível. Sem falar, das coisas engraçadas; Gisleno, muito vaidoso, antes de sair da república “dando o ponto no cabelo” e você, comendo aquele pão de meio metro, na saída das meninas do Colégio Santa Teresa. Gisleno encabulado escondia a cara e queria fugir de tanta vergonha. E você ainda dizia em voz alta para as meninas ouvirem “você disse que queria comer pão, agora coma! Deixa de frescura!”
O Crato fervilhava de estudantes vindos das cidades vizinhas e participávamos dessa felicidade numa cidade que para nós era o paraíso dos estudantes secundários.
Esses pedaços de lembranças, Vicelmo, ficaram marcados em todos nós, mas o que marcou muito foi o espírito de camaradagem que nos unia; Você com sua alegria e irreverência natural, Gisleno com aquela timidez que sempre o caracterizou e eu com meu temperamento introspectivo que só depois percebi, não me trouxe vantagem alguma junto as possíveis namoradas e amigas que na época deixei de ter e de conquistar.
Valeu por tudo, meu amigo Vicelmo, mas, essa história está ficando comprida. Se você quiser resumi-la, basta uma palavra; Saudade!
Um abraço!
Gilson Leite de Moura
11de setembro de 2011